Agricultura
Quando o crédito sufoca e a justiça vira refúgio de produtores rurais
Juros altos, reformas tributárias e aperto no crédito rural aceleram onda de recuperações judiciais no agronegócio.Compartilhe: Clique para compartilhar no Facebook(abre em nova janela) Facebook Clique para compartilhar no WhatsApp(abre em nova janela) WhatsApp Clique para compartilhar no LinkedIn(abre em nova janela) LinkedIn Clique para compartilhar no Telegram(abre em nova janela) Telegram
BATANEWS/O PRESENTE RURAL
O agronegócio brasileiro, celebrado há anos como motor de crescimento econômico, está sendo pressionado como poucas vezes na história recente. Em meio a juros elevados, reformas tributárias em curso e um cenário global menos favorável para as commodities, cresce o número de produtores, inclusive pessoa física, buscando na recuperação judicial uma tábua de salvação para não fechar as porteiras.
Consultor jurídico, especialista em Planejamento Sucessório e Proteção Patrimonial, Luiz Felipe Baggio: “O custo financeiro da atividade nunca teve um peso tão determinante quanto agora” – Fotos: Divulgação
O quadro ganha contornos ainda mais delicados com a recente decisão dos Estados Unidos de impor tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, atingindo setores como carne, café e madeira. Analistas apontam que a medida tende a pressionar ainda mais a competitividade das exportações e reduzir a entrada de divisas no campo, especialmente em cadeias produtivas já endividadas.
Segundo dados da Serasa Experian, apenas no primeiro trimestre de 2025, foram 389 pedidos de recuperação judicial no setor, um salto de 21,5% sobre o trimestre anterior e de 44,6% em relação a 2024. Entre agricultores pessoa física, o aumento chega a 83,9%.
Para o consultor jurídico, especialista em Planejamento Sucessório e Proteção Patrimonial, Luiz Felipe Baggio, a situação é o retrato de um setor operando perigosamente no limite. “O produtor rural brasileiro opera, em grande parte, alavancado. Quando temos uma taxa de juros real tão alta, mesmo aqueles com acesso a condições razoáveis de crédito enfrentam pressão financeira considerável', alerta.
O aumento das taxas no Plano Safra 2025/26, diz ele, chega num momento crítico, marcado ainda por mudanças estruturais — como a reforma do consumo, a do imposto de renda e até a revisão do Código Civil. “O custo financeiro da atividade nunca teve um peso tão determinante quanto agora. Além do encarecimento do crédito, temos uma reforma tributária em curso que vai penalizar quem não estiver preparado. A sobrevivência no campo exigirá revisão de contratos, reestruturação do fluxo de caixa e estratégias jurídicas mais robustas', ressalta.
O quadro é agravado pela inadimplência: 7,9% entre produtores pessoa física no início de 2025, chegando a 10,7% entre grandes proprietários. O endividamento total do setor ultrapassa R$ 700 bilhões, enquanto o crédito rural encolhe com menos subvenção governamental, juros mais altos e seguro rural aquém do esperado.
Doutor em Direito Civil, especialista em Direito Contratual e Societário, Vanderlei Garcia Jr.: “A recuperação judicial deve ser vista como instrumento legítimo de preservação da continuidade produtiva, desde que utilizada com transparência, viabilidade e orientação técnica qualificada”
Para o doutor em Direito Civil, especialista em Direito Contratual e Societário, Vanderlei Garcia Jr., os juros e o crédito caro não explicam tudo. “A queda nos preços internacionais de commodities, a valorização do real frente ao dólar, o aumento dos custos de insumos e combustíveis e as instabilidades climáticas comprimem margens e dificultam a sustentabilidade financeira', expõe.
Ele reforça que o aperto no crédito rural, com exigência maior de garantias e prazos longos para recebimento, dificulta a rolagem de dívidas e acelera a procura por alternativas jurídicas. “Muitos produtores pessoa física operam sem CNPJ ou registro formal, o que limita a aplicação legal da recuperação judicial. É crucial comprovar a regularidade da atividade rural nos últimos dois anos por meio de ITR, notas fiscais, contratos e registros contábeis. E, preferencialmente, estruturar a atividade com CNPJ ou inscrição mercantil', menciona Garcia Jr.
Os dois especialistas concordam que o caminho não está apenas na reestruturação via Justiça, mas em planejamento jurídico e financeiro contínuo. Isso inclui manter contabilidade profissional, formalizar contratos, diversificar receitas, contratar seguros agrícolas e renegociar dívidas antes que virem passivos impagáveis. “O ciclo de fragilidade financeira está se aprofundando. O setor precisa de planejamento integrado e atuação preventiva, antes que a reestruturação deixe de ser uma necessidade imposta pelas dívidas', enfatiza Baggio. “A recuperação judicial deve ser vista como instrumento legítimo de preservação da continuidade produtiva, desde que utilizada com transparência, viabilidade e orientação técnica qualificada', complementa Garcia Jr.
A mensagem é clara: sem crédito acessível, segurança jurídica e ambiente tributário racional, o campo pode ver a crise de caixa se transformar em crise estrutural — com impactos sobre produção, emprego e a própria segurança alimentar do país.
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