Como o tarifaço de Trump pode afetar o Brasil

Presidente dos EUA anunciou uma sobretaxa de 50% para produtos brasileiros exportados aos país norte-americano. Para analistas, os reflexos econômicos devem ser limitados. Já os políticos ainda são uma incógnita

BATANEWS-REDACãO


Donald Trump. Foto: MANDEL NGAN / AFP

O anúncio de Donald Trump de que aplicará uma sobretaxa de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil aos Estados Unidos pegou o governo Lula de surpresa. A ação, que tomou ares de ameaça, traz uma justificativa política: a investigação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, chamada pelo mandatário dos EUA de “caça às bruxas'.

Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que utilizará a Lei de Reciprocidade. Essa legislação, aprovada no Congresso e sancionada ainda neste ano no contexto do primeiro tarifaço de Trump, ainda precisa de regulamentação. Logo, não se sabe quais efeitos teria, como, por exemplo, se aplicariam tarifas de 50% em produtos americanos que cheguem a solo brasileiro.

Segundo especialistas, no entanto, os efeitos econômicos ao Brasil devem ser limitados, ao menos a curto-prazo. Já os efeitos políticos ainda são improváveis, mas apontam para uma “tempestade no horizonte' que se avizinha em relação às eleições presidenciais do ano que vem.

As tarifas de 50% sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos devem começar a valer a partir de 1º de agosto. Em 2024, a parceria entre ambos os países foi bastante equilibrada e gerou um superávit para a nação de Trump de cerca de 253 milhões de dólares.

Neste ano, no entanto, os números já chegam a 1,6 bilhão de dólares, o que contraria o trecho da carta do presidente republicano que afirma que as trocas com o Brasil são deficitárias para os EUA. Na verdade, a balança dessa parceria pende para o lado americano desde 2009.

Um relatório do BTG Pactual, divulgado nesta quinta-feira 10, avalia que a sobretaxa de 50% deve gerar perdas de cerca de 7 bilhões de dólares em exportações ainda em 2025. Para o ano que vem, se a medida for mantida, a quantia pode atingir os 13 bilhões de dólares. O banco de investimentos, porém, afirma que a capacidade dos exportadores brasileiros de redirecionar vendas para outros mercados amorteceria essas perdas, que representariam 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro neste ano e de 0,6%, em 2026.

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que cerca de 60% das exportações brasileiras para os EUA são de insumos utilizados pela cadeia de produção, o que impactaria ambos os países. Segundo a entidade, ano passado, foram gerados 24,3 mil empregos e 3,2 bilhões reais em produção para cada 1 bilhão de reais exportado para o parceiro americano.

De acordo com a economista Lia Valls Pereira, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), setores como o de frigoríficos e de celulose podem sair perdendo por aqui. Ela acrescenta que, por ter motivação eminentemente política, as negociações são muito mais difíceis do que com os outros países, cujas justificativas de Trump foram basicamente comerciais.

“Se essas tarifas se confirmarem, poderão ter impacto negativo para alguns setores no Brasil. Não é muito fácil diversificar a exportação para outros mercados rapidamente, ainda mais no momento em que a renda mundial está em desaceleração, pelas próprias incertezas que o governo Trump traz', afirma Valls Pereira.

Segundo ela, setores mais voltados para a exportações podem perder faturamento, o que poderia impactar na geração de empregos. Já a tão temida inflação, diz ela, deve chegar, com o tarifaço de Trump, só aos consumidores dos Estados Unidos, já que as sobretaxas incidem sobre os produtos que são vendidos para lá – desde que o governo brasileiro não use a lei de reciprocidade.

Por outro lado, a pressão política foi o principal componente da correspondência enviada por Trump. O recado cita nominalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi condenado pela Justiça Eleitoral e está inelegível, mas enfrenta um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado durante as eleições de 2022, vencidas por Lula.

Além disso, o tarifaço sugeriu uma articulação internacional da extrema-direita brasileira, já que Eduardo Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente e deputado federal, está licenciado nos EUA alegando “perseguição política' no Brasil e agradeceu ao presidente americano nas redes sociais pelas medidas.

Para Roberto Goulart Menezes, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (Unb) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), é preciso cautela para se avaliar a influência de Eduardo no tarifaço trumpista.

“Ele não foi recebido no Salão Oval da Casa Branca, não vimos uma foto do Eduardo Bolsonaro com o Trump. Temos que ver até que ponto ele não está inflando a sua participação. Se for isso, os Estados Unidos estão agindo como papagaio de pirata, o que eles naturalmente não são', argumenta Menezes.

Segundo ele, a pressão de Trump estão muito mais em consonância com os interesses das big techs, que enfrentam a possibilidade de regulamentação no Brasil. Um dos principais atores é o bilionário Elon Musk, dono da rede social X, que recentemente deixou um cargo de alto escalão no governo dos Estados Unidos.

O professor da UnB diz que Trump parece estar antecipando o ativismo político que terá em relação às eleições de 2026 e que, com a carta, mostra o caráter autoritário de quem não leva em consideração nem a soberania de outro país e nem a divisão de Poderes do sistema político brasileiro, já que os processos a Bolsonaro estão no Judiciário e a carta é endereçada a Lula, chefe do Executivo.

“A melhor resposta do governo brasileiro nesse momento é uma posição coordenada com todos os atores afetados no Brasil, com as entidades representantes dos setores, empresários, entre outros', avalia. Ainda nesta quinta-feira, Lula anunciou a criação de um comitê com empresários para “repensar a política comercial com os Estados Unidos'.

“O problema é se o Brasil vai conseguir circunscrever ao campo comercial essa crise. Porque os Estados Unidos estão antecipando 2026. Então, ele poderá começar a sancionar autoridades brasileiras, pois tem instrumentos para isso', diz Menezes, que classifica a situação como um indício de uma “tempestade no horizonte'.

Sobre um possível ganho eleitoral dos atores brasileiros envolvidos, o professor de relações internacionais acredita que não é momento para se tirar um dividendo político da situação.

Já o banco BTG Pactual apontou um possível favorecimento político de Lula com a crise do tarifaço. “A base de apoio do governo no Congresso sugere que a medida pode fortalecer politicamente o presidente Lula, ao intensificar o embate com seu principal antagonista', diz o relatório enviado aos investidores. “Analistas políticos acreditam que essa narrativa pode aumentar a popularidade de Lula e reposicionar seu discurso com vistas às eleições de 2026', completa o banco de investimentos.

A sobretaxação dos produtos brasileiros ocorre poucos dias depois da Cúpula do Brics, que foi realizada no Rio de Janeiro na semana passada. O bloco econômico formado pelos países do Sul Global – que conta com a China, alvo constante de Trump, com seu membro mais poderoso – tem feito discussões sobre a adoção de uma moeda em comum e maneiras de realizarem trocas sem utilizar o dólar como moeda intermediária.

O movimento levou Trump a afirmar, nas redes sociais, que o qualquer país que se alinhar com “as políticas antiamericanas do Brics' receberá uma penalidade de 10% de tarifas adicionais.

Para Goulart Menezes, a fala é um reflexo da reação do presidente americano a qualquer tentativa de multilateralidade no contexto global. “Sabemos que ele faz tudo ao contrário: tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, da Organização Mundial da Saúde (OMS), ameaçou a Organização Mundial do Comércio. O objetivo dele é refazer a hegemonia dos EUA sem considerar as condições que já estão dadas', diz.

Sobre a possibilidade de uma moeda comum dos Brics, o professor afirma que é algo difícil de se implementar e que as bravatas de Trump sobre essa possibilidade são exageradas. Segundo ele, o que vem sendo buscado na prática é reduzir as perdas nas trocas comerciais entre os países, que têm de converter suas moedas para dólar e, nesse processo, pagam tarifas cambiais. “É basicamente o que você consegue fazer hoje com uma fintech se for viajar para outro país', finaliza.

Carta Capital / Deutsche Welle