Justiça
Zambelli pode ser extraditada da Itália mesmo com cidadania; entenda
Deputada diz confiar na Justiça italiana; especialistas, porém, veem pouco espaço para alegação de perseguição política
BATANEWS/PODER360
A deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP) poderá ser extraditada para o Brasil, apesar de ter cidadania italiana. Presa na 3ª feira (29.jul.2025) em Roma, a congressista foi incluída na lista vermelha da Interpol depois de condenação no STF (Supremo Tribunal Federal) a 10 anos de prisão por participação na tentativa de invasão ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Zambelli estava foragida desde junho. Em entrevistas anteriores, afirmou que sua cidadania europeia a protegeria de qualquer medida judicial brasileira. “Como cidadã italiana, eu sou intocável na Itália, não há o que ele [Alexandre de Moraes] possa fazer para me extraditar de um país onde eu sou cidadã' , declarou. A afirmação, no entanto, não encontra respaldo jurídico.
Segundo o artigo 26 da Constituição Italiana, a extradição de cidadãos do país só é permitida quando prevista em tratados internacionais e não pode ser concedida em casos de crimes políticos. Leia o que diz o dispositivo:
“L’estradizione del cittadino può essere consentita soltanto ove sia espressamente prevista dalle convenzioni internazionali. Non può essere ammessa per reati politici.' ( “A extradição de cidadãos pode ser permitida apenas quando expressamente prevista em convenções internacionais. Não pode ser admitida para crimes políticos”. )
Neste caso, o Brasil e a Itália possuem um tratado bilateral de extradição assinado em 1989, que regula o envio de pessoas condenadas ou acusadas de crimes nos 2 países. O tratado estabelece critérios como dupla tipicidade (o fato precisa ser crime em ambos os países), reciprocidade e respeito aos direitos fundamentais da pessoa a ser extraditada.
Já havendo sua condenação definitiva no Brasil, o procedimento que deve seguir agora é um pedido de extradição a ser feito pelo Ministério da Justiça brasileiro, que encaminhará o pedido formalizado à Itália por meios diplomáticos. Depois, a análise do pedido passa pela Corte de Apelação da região onde Zambelli foi presa, que julgará se os critérios legais estão preenchidos. A defesa poderá apresentar argumentos contrários à extradição nesse processo.
“Assim como seria no caso de um pedido ao Brasil, a solicitação de extradição de Zambelli ocorrerá perante a Justiça Italiana e observando também o rito previsto nas leis do país, sendo que o exercício do contraditório por parte da defesa dela se dará nesse procedimento, oportunidade em que poderá tentar explorar eventual não preenchimento de alguns desses requisitos”, explica Priscila Pamela Santos, criminalista e fundadora do escritório que leva seu nome.
Se a Corte de Apelação aprovar o pedido, o caso segue para o Ministério da Justiça da Itália, que tem a palavra final, conforme determina o artigo 708 do Código de Processo Penal Italiano. A decisão pode considerar critérios jurídicos, diplomáticos ou políticos.
“Il Ministro può rifiutare l’estradizione anche se la corte ha espresso parere favorevole.' ( “O Ministro pode recusar a extradição mesmo que a corte tenha emitido parecer favorável.” )
A cidadania italiana de Zambelli não impede automaticamente sua extradição. “O fato de ela ter adquirido a cidadania por descendência —e não por nascimento — pode pesar na avaliação' , explica Priscila. “Ainda que a extradição seja negada, o Brasil pode solicitar o cumprimento da pena em solo italiano, com base em acordos de cooperação penal.'
Se a extradição for autorizada, Zambelli deverá ser transferida ao Brasil para início do cumprimento da pena. Em vídeo gravado previamente e divulgado por sua defesa depois da prisão nesta 3ª feira (29.jul), Zambelli voltou a criticar o Supremo e negou qualquer intenção de retornar ao Brasil. “Se eu tiver que cumprir qualquer pena, vai ser aqui na Itália, que é um país justo e democrático' , afirmou.
A fala de Zambelli sobre confiar na Justiça italiana e se recusar a cumprir eventual pena no Brasil indica uma possível estratégia jurídica para barrar a extradição. Segundo o advogado criminalista Pedro Bueno de Andrade, a deputada deve alegar perseguição política.
“Muito provavelmente a defesa dela vai tentar enquadrar o caso como perseguição política no Brasil. É a linha que outros bolsonaristas estão adotando no exterior' , disse, em entrevista ao Poder360. Andrade explica que, pela Constituição italiana, crimes de natureza política não autorizam a extradição. “Se a Justiça italiana entender que é um crime político, ela nem será extraditada, nem precisará cumprir pena na Itália' , afirmou.
Para o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho (ex-secretário nacional de Justiça e um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa) a estratégia pode não prosperar.
“Não vejo chance de que a Zambelli não seja extraditada por alegação de perseguição política. O crime que ela cometeu é um crime comum, não um crime político' , afirmou Botelho a este jornal digital. Segundo ele, a condenação da deputada não se enquadra nas exceções previstas nos tratados internacionais. “Invasão de sistemas é crime comum. Não se trata de um ato de manifestação ou opinião que possa ser interpretado como político.'