Popularidade do Ozempic expõe riscos desconhecidos do remédio, como pancreatite e perda de visão

Uso prolongado off label do medicamento evidencia novos efeitos colaterais; especialistas reforçam a importância de acompanhamento médico

BATANEWS-FOLHA


O Ozempic foi inicialmente aprovado para tratar diabetes tipo 2 - Tom Little/Reuters

A crescente popularidade dos medicamentos injetáveis para emagrecimento à base de semaglutida, como Ozempic e Wegovy, tem revelado efeitos colaterais potencialmente fatais que não foram identificados nos estudos clínicos iniciais. Especialistas alertam que, embora raras, essas complicações podem surgir principalmente quando o uso não é acompanhado de orientação médica adequada.

Os medicamentos que 'imitam' o hormônio GLP-1, que dá sensação de saciedade, estão no mercado americano desde 2017. O Ozempic foi inicialmente aprovado para tratar diabetes tipo 2, enquanto o similar Wegovy passou a ser indicado para perda de peso a partir de 2021.

No Brasil, a Anvisa aprovou o uso da semaglutida apenas para o tratamento do diabetes tipo 2. Ou seja, a prescrição para perda de peso é feita 'off label', fora da indicação aprovada na bula.

Ensaios clínicos que testaram a eficácia desses remédios mostram que eles são seguros para uso comercial, mas desde que chegaram ao mercado, pacientes têm relatado novas complicações.

O Ozempic rapidamente ganhou fama por seus efeitos colaterais desagradáveis, como náusea, diarreia ou outros problemas digestivos. Também já foram relatadas alterações na visão, disfunção erétil e mudanças de humor, além de flacidez na pele devido à perda de peso.

Mas o que mais preocupa os profissionais de saúde são relatos de doenças graves após a administração prolongada do fármaco.

Recentemente, um órgão regulador do Reino Unido destacou efeitos colaterais potencialmente fatais de pancreatite aguda, uma inflamação do pâncreas, após pelo menos dez mortes terem sido associadas a essa condição entre usuários britânicos de drogas deste tipo.

'Os efeitos colaterais mais preocupantes incluem pancreatite e impactos em distúrbios musculoesqueléticos', disse Penny Ward, médica e professora no King's College London, Reino Unido, à DW.

Em abril deste ano, a Anvisa também alertou que dados de notificação no VigiMed sinalizaram eventos adversos relacionados ao uso das canetas emagrecedoras acima da média global e, por isso, passou a exigir retenção de receita para a venda do fármaco, assim como acontece com antibióticos.

'Essa medida tem como objetivo proteger a saúde da população brasileira, especialmente porque foi observado um número elevado de eventos adversos relacionados ao uso desses medicamentos fora das indicações aprovadas pela Anvisa', diz em nota.

Um grande estudo publicado na revista Nature Medicine, em janeiro de 2025, se propôs a analisar sistematicamente todos os riscos de saúde relatados por mais de 215 mil pessoas usando medicamentos GLP-1 para tratamento de diabetes.

Os pesquisadores encontraram riscos adicionais além dos reconhecidos anteriormente em ensaios clínicos, incluindo um aumento de 11% no risco de artrite e de 146% no risco de pancreatite. Também foram relatados riscos maiores de pressão baixa, tontura ou desmaios, pedras e inflamação nos rins.

A pesquisa também confirmou riscos já conhecidos de diversos distúrbios gastrointestinais, reforçando estudos anteriores que apontavam maior chance de efeitos colaterais digestivos.

Segundo Ward, não é incomum que reações adversas adicionais sejam identificadas após o início da aplicação clínica de um produto.

'Efeitos colaterais mais raros podem surgir à medida que mais pacientes utilizam esses medicamentos na prática clínica. Simplesmente porque um número muito maior de pessoas está sendo tratado em comparação ao incluído nos ensaios clínicos', afirma. 'Por isso, continuamos monitorando a segurança dos remédios no mercado.'

No ano passado, também surgiram relatos de pessoas que ficaram cegas após administração do Wegovy, que conta com o mesmo princípio ativo que o Ozempic.

Pesquisadores que investigaram o caso descobriram que seu uso está associado a um aumento do risco de uma doença que afeta o nervo óptico, chamada Neuropatia Óptica Isquêmica (NAION). Casos como este também foram identificados pela Anvisa, que então exigiu a inclusão do efeito colateral na bula..

Embora a condição seja rara, afetando cerca de 10 em cada 100 mil pessoas, um estudo publicado na revista JAMA Ophthalmology descobriu que pessoas com diabetes que consomem a semaglutida têm quatro vezes mais chances de desenvolver a doença do que a média da população.

'Essa pesquisa sugere uma associação entre o tratamento com semaglutida e uma forma de neuropatia óptica que ameaça a visão, mas isso idealmente deveria ser testado em estudos maiores,' disse Graham McGeown, professor honorário de fisiologia na Queen's University Belfast, Reino Unido.

Especialistas afirmam que são necessárias muito mais pesquisas em populações representativas para compreender melhor os efeitos colaterais do Ozempic e seus riscos reais para quem os utiliza.

'Por exemplo, [precisamos de mais dados sobre] quem toma o medicamento para obesidade, pois precisa de uma dose maior do que quem tem diabetes e o usa por mais de dois anos', disse Karolina Skibicka, neuroendocrinologista da University of Calgary, Canadá.

'Mas, especialmente, precisamos de estudos que incluam mulheres. As mulheres apresentam efeitos colaterais únicos a muitas terapias farmacológicas, e ainda assim, na maioria dos estudos, elas costumam ser sub-representadas em várias fases de testes', acrescentou Skibicka.

Apesar das preocupações com novos efeitos colaterais, Skibicka disse à DW que 'a lista de benefícios desse fármaco, quando usado como prescrito na bula, ainda é significativamente maior e mais impactante do que os riscos'.

Por isso, Skibicka afirmou que é 'improvável' que o surgimento de efeitos colaterais raros, mas graves, justifique novas recomendações mais restritivas para a prescrição de GLP-1.

Pesquisadores têm identificado efeitos colaterais 'benéficos' do medicamento quando administrado conforme a bula. Estudos indicam que seu uso está associado a um menor risco de demência e doença de Alzheimer. Além disso, investigações estão em andamento para avaliar se essas drogas podem ser eficazes no tratamento de transtornos relacionados ao consumo de substâncias químicas.

O estudo de janeiro, da Nature, também relatou redução nos riscos de distúrbios de coagulação sanguínea, doenças cardiorrenais e metabólicas, e várias condições respiratórias em pacientes diabéticos que usam a semaglutida.

Os autores especulam que o medicamento pode trazer benefícios secundários porque atua em várias partes do corpo e porque trata a obesidade, que contribui para diversos problemas de saúde.