“Maior safra da história': Falta de armazém para 124 mi de t de grãos

Supersafra de milho e soja corre o risco de ficar ao relento em fronteiras agrícolas.

BATANEWS/POR JOSé MARIA TOMAZELA


SILOS INSUFICIENTES PARA GRANDES SAFRAS GETTY IMAGES

O Brasil vai colher a maiorsafra de grãosda história, mas não tem onde guardar toda a produção. A colheita deve chegar a 336,1 milhões de toneladas, segundo aCompanhia Nacional de Abastecimento(Conab), mas a capacidade total dos armazéns agrícolas é de 212,6 milhões. Assim, 124,3 milhões de toneladas de grãos comosojaemilhopodem ficar ao relento, como aconteceu em anos anteriores.

O problema está se tornando crônico, segundo Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica de Logística e Infraestrutura daConfederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA). “É uma conta que não fecha: há duas décadas a produção de grãos cresce em média de 5,3% ao ano, mas a capacidade de armazenagem segue em ritmo mais lento, de 3,4% ao ano”, diz.

Falta de investimentos em armazéns pode atrapalhar a vocação do Brasil de ser o celeiro do mundo, dizem especialistas.Foto Marcio Fernandes

Os números da CNA apontam que, em 2005 o País colheu 114,7 milhões de toneladas e armazenou 106,5 milhões. Em 2015, para uma colheita de 208,6 milhões de toneladas, havia capacidade para 169,7 milhões, déficit de 39 milhões. Agora, pouco mais da metade dos grãos colhidos — 63,3% — têm armazém garantido.

Se considerar os silos e armazéns que estão dentro das fazendas, esse porcentual cai para apenas 16,8%.

A falta de investimentos em armazéns pode atrapalhar a vocação do Brasil de ser o celeiro do mundo, segundo a avaliação dos especialistas. A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) recomenda que a capacidade estática de armazenamento de um país deve ser 1,2 vez maior que a sua produção anual. Nesta safra, o Brasil deveria ter armazéns para mais de 400 milhões de toneladas — quase o dobro do que temos.

Paulo Bertolini, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), cita outro agravante para a falta de armazenagem: a sequência temporal das duas principais safras. “A safra maior de milho vem logo após a colheita da soja. Os espaços dos armazéns estão ocupados e a soja tem valor de tonelada que é o dobro do milho. Assim, o milho fica sem espaço nos silos e o grão, muitas vezes, vai para céu aberto, exposto a sol e chuva.”

Para se livrar do risco, assim que colhe, o produtor tenta colocar a produção no mercado. “Aí você tem outros dois problemas: os preços desabam devido à grande oferta e o frete aumenta, em razão da alta demanda. A indústria, forçada a comprar, acaba fazendo armazenagem de longo prazo, que encarece sua produção. É ruim para todo mundo, um círculo vicioso para o País e que precisa ser quebrado.”

Grão precisa viajar em caminhões

A falta de armazéns, segundo a especialista da CNA, é mais grave nas novas fronteiras agrícolas, como o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde apenas 46,4% da produção contam com silos. No Maranhão, por exemplo, em alguns casos o grão precisa viajar 100 km fora da fazenda para chegar ao armazém. “Já chegamos ao absurdo de usar caminhões como silos por falta de armazéns”, diz.

O Estado de Rondônia, que registra avanços na agricultura, tem capacidade para apenas 23,8% dos grãos que produz.

Maior produtor brasileiro de grãos, o Mato Grosso sofre com a falta de armazéns dentro da fazenda. Para uma produção de 104,8 milhões de toneladas previstas para esta safra, o Estado tem capacidade para guardar 52,3 milhões de toneladas. Ou seja, metade da produção precisa ser vendida na colheita, ou vai para armazéns alugados. Ou ainda, o que é pior, ficará ao relento.

Em Mato Grosso, metade da produção precisa ser vendida na colheita, ou vai para armazéns alugados.Foto:Epitacio Pessoa/AE

Foi o que aconteceu em 2023, na Cooperativa Agrícola Terra Viva (Cooavil), em Sorriso. Imagens de montanhas de milho no pátio, a céu aberto, circularam pelas redes sociais. Nesta safra, a Cooavil trabalha com uma capacidade de 2,6 milhões de sacas, mas a soja já ocupa quase todos os armazéns.

Ter mais silos na propriedade não depende só da vontade do produtor. No final de 2022, a CNA ouviu 1.065 produtores rurais de todas as regiões do Brasil e 72,7% deles disseram que investiriam em armazenagem se a taxa de juros fosse atrativa. As regiões com maior interesse foram o Norte (82,7%), Centro-Oeste (78,4%) e Matopiba (73,3%).

Para Elisângela, além do financiamento ainda ser caro — a taxa de juros de 7% a 8,5% é o dobro do que nos Estados Unidos —, nessas regiões, há falta de mão de obra qualificada para operar e gerenciar os armazéns. O custo de operação também é alto.

“Diante disso, o produtor acaba avaliando que é melhor comprar uma colheitadeira nova do que construir o silo”, diz.

Bertolini, que também preside a Câmara Setorial para Armazenagem de Grãos da Abimaq, defende a necessidade de investimentos mais robustos para reduzir a defasagem. Pelas suas contas, seriam necessários R$ 15 bilhões anuais apenas para acompanhar o crescimento das safras.

O Plano Safra 2024/25 destinou R$ 7,8 bilhões ao programa de construção e ampliação de armazéns, alta de 17,4% em relação à safra anterior, mas apenas uma parcela ficou acessível para os produtores instalares silos nas fazendas. “Para construir um silo, é preciso um projeto, licença ambiental, licença prévia e de instalação, um processo complicado para o agricultor”, diz.

Os condomínios de grãos surgiram principalmente no Estado do Paraná como uma alternativa para quem não dispõe de armazéns próprios. Um grupo de produtores se reúne e constroem a estrutura em sociedade para uso compartilhado. Nos últimos anos, empresas de construção civil passaram a construir e lançar condomínios no mercado, mas a iniciativa ainda atende um número pequeno de produtores.

Para Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, o déficit de armazéns é especialmente crítico no momento em que se investe em biotecnologia para ampliar a produtividade da soja. “Temos potencial para produzir 3 ou 4 vezes mais na mesma área, mas a competência do agricultor brasileiro em produzir mais não tem sido acompanhada na mesma velocidade com a criação da infraestrutura. O que os produtores têm feito nas regiões mais distantes é usar os silos-bolsa, mas é um sistema que não permite o controle da umidade e de pragas”.

Essa foi a solução encontrada pelo agricultor Maicon Rech, de Feliz Natal (MT), para dar fluxo às colheitas de soja e milho. Ele adquiriu este ano quatro silos-bolsas para guardar a soja e vai usar as estruturas para a safra do milho, que começa a ser colhida.” Temos 1.750 hectares de milho para colher e não tem armazém disponível na região”, diz.

OMinistério da Agricultura e Pecuária (Mapa)informou que os financiamentos doBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)para armazenagem alcançaram R$ 2,6 bilhões na atual safra, sendo o maior da série histórica iniciada em 2013. No âmbito do Programa de Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) o valor aprovado entre julho de 2024 e março deste ano supera em 32% os investimentos feitos na safra anterior (Estadão, 4/7/25)