Da mama ao ovário: conquistas contra o câncer que merecem aplausos | Letra de Médico

Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica expõe inovações recém-apresentadas no maior encontro da área - inclusive iniciativas nacionais

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Avanços para o corpo e a saúde feminina: novas estratégias terapêuticas elevam chances de sucesso no tratamento de tumores nas mamas e nos ovários (Foto: GI/Getty Images)

A edição 2025 do encontro anual da ASCO, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica, em Chicago, nos Estados Unidos, reafirmou entre tantas discussões relevantes a força da ciência global no combate aos cânceres femininos. Com o tema “Transformando o Conhecimento em Ação: Construindo um Futuro Melhor”, o evento deste ano trouxe não apenas avanços significativos em terapias para diversos tipos de câncer, mas também mensagens concretas de esperança para milhões de mulheres que enfrentam o câncer de mama, ovário, colo de útero e outras doenças ginecológicas.

Entre os estudos de maior destaque do encontro, o Serena 06 — publicado na revista científica The New England Journal of Medicine — chamou atenção por propor uma nova forma de monitorar o tratamento do câncer de mama hormonal em estágio avançado metastático. Pelo estudo, tumores de mama avançados resistentes a medicamentos podem ser detectados precocemente com exame de sangue. O ensaio clínico mostrou que as pacientes teriam a chance de trocar de medicamentos com pouca resposta clínica sem precisar esperar por exames de imagem que mostrassem progressão do câncer.

O estudo, apresentado na principal sessão do encontro da ASCO, acompanhou 315 pacientes e demonstrou que é possível avaliar a eficácia do tratamento por meio de exames de sangue que identificam o DNA tumoral circulante. Mesmo quando os exames de imagem não indicavam progressão, aumentos nos níveis desse DNA no sangue foram usados como critério para a troca precoce de medicamentos, resultando em melhor controle da doença. Trata-se de uma abordagem inovadora, que pode representar uma mudança de paradigma no acompanhamento do câncer, permitindo intervir no tratamento antes que o tumor avance, com potencial impacto no seguimento de outros cânceres.

Outros dados apresentados no encontro também trouxeram boas notícias para diferentes subtipos do câncer de mama. Entre os cânceres hormonais, o tipo de câncer de mama mais incidente, estudos trouxeram dados de sobrevida global que consolidam um novo padrão terapêutico para a primeira linha de tratamento em pacientes com doença de mais alto risco que progrediram durante o tratamento adjuvante ou perto do término do mesmo.

A associação de inibidor da via de PI3K a inibidores de ciclina com hormonioterapia mostrou ganhos relevantes em prolongamento da sobrevida e controle da doença. Para pacientes com câncer HER2 positivo, o uso de anticorpo droga-conjugado (ADC) de nova geração em primeira linha mostrou grande eficácia no controle da doença metastática.

Já no difícil cenário do câncer de mama triplo negativo (CMTN), a combinação de ADC com imunoterapia se destacou ao superar a eficácia dos esquema padrão baseado em quimioterapia e imunoterapia , em pacientes que expressam o marcador PDL1.

Destaque nacional

A ASCO 2025 também foi palco para resultados que nascem do esforço coletivo por soluções acessíveis em saúde pública, como um estudo brasileiro aplaudido em Chicago. Em Itaberaí, cidade de cerca de 43 mil habitantes no interior de Goiás, um projeto coordenado pelo professor da Universidade Federal de Goiás, Ruffo Freitas Júnior, em parceria com a prefeitura municipal conseguiu reduzir em 50% os diagnósticos tardios de câncer de mama em mulheres atendidas pelo SUS em um espaço de tempo de três anos.

Diante das baixas taxas de adesão a exames de rastreio por imagem como a mamografia, a iniciativa aliou tecnologia (com o uso do app Rosa e do Rosa Watch), capacitação de agentes comunitárias e descentralização dos exames de biópsia.

Mais que uma inovação tecnológica, esse modelo demonstrou o poder do sistema de saúde quando atua de forma integrada e territorializada. A meta era reduzir em 20% os diagnósticos em estágio avançado. Mas o resultado superou em dobro a expectativa, abrindo caminho para replicação em outras regiões do Brasil.

Outro dado relevante veio do estudo liderado pelo médico Luís Carlos Lopes Júnior, da Universidade Federal do Espírito Santo, que apontou um aumento de 219% na incidência de cânceres precoces (antes dos 45 anos) entre 2000 e 2019. O câncer de mama foi o mais prevalente nessa faixa etária. O estudo, selecionado para pôster oficial da ASCO, reforça a importância de protocolos de rastreamento adaptados à realidade das mulheres jovens — que, muitas vezes, enfrentam resistência na investigação precoce de sintomas.

O desafio do câncer de ovário

No desafiador cenário de resistência a platina, o uso do medicamento relacorilante associado a quimioterapia impactou positivamente a sobrevida das pacientes com câncer de ovário, e foi o principal estudo com impacto na prática clínica em câncer ginecológico.

Os estudos apresentados na ASCO 2025 confirmam que os avanços científicos vêm acompanhados de mudanças reais no cuidado oncológico. O impacto dessas inovações, muitas vezes simples, pode ser imediato — tanto no consultório quanto nas redes de saúde pública. São sinalizações animadoras para o desafio de ampliar o acesso a tratamentos de excelência e humanização no cuidado, especialmente para as mulheres, que ainda enfrentam circunstâncias desiguais no acesso ao diagnóstico e no tratamento de qualidade.

Esperança, nesse contexto, não é só uma emoção, mas uma diretriz no cuidado oncológico. Os avanços científicos nos animam para que uma nova realidade abra espaço cada vez mais tangível para que mais vidas sejam salvas.

* Angélica Nogueira é oncologista clínica e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)