Fertilizantes: o calcanhar de Aquiles do agro brasileiro

Dependência externa de insumos, guerra no Oriente Médio e preços agrícolas deprimidos exigem respostas rápidas e criativas para preservar a rentabilidade

BATANEWS-CANAL RURAL


Foto: Daniel Popov/Canal Rural

A escalada do conflito entre Israel e Irã reacendeu um alerta preocupante para o agronegócio brasileiro: a possível disparada nos preços da ureia e de outros fertilizantes.

Em um cenário de queda nas cotações internacionais das commodities agrícolas, a combinação entre custos crescentes e receitas em baixa pode corroer drasticamente a já apertada margem de lucro do produtor rural.

O Brasil é extremamente vulnerável nesse campo. Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), o país importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome anualmente — sendo que, no caso específico da uréia, a produção nacional atende a menos de 20% da demanda.

Cerca de 20% da ureia consumida pelo Brasil vem do Irã, país diretamente envolvido na atual tensão geopolítica, o que agrava ainda mais a possibilidade de ruptura no fornecimento.

A China e a Índia, por sua vez, são os maiores produtores e consumidores globais de ureia. Nesses países, o arroz é a principal cultura consumidora do insumo, seguido pelo trigo e outros grãos.

Já no Brasil, a principal cultura que demanda ureia é o milho, seguida pela cana-de-açúcar e pela soja, três pilares da nossa produção agrícola. Isso reforça o impacto direto que qualquer oscilação no mercado internacional terá sobre o custo de produção das nossas lavouras.

Esse grau de dependência não é fruto do acaso, mas de uma decisão estratégica equivocada adotada no passado. Com os preços internacionais dos fertilizantes — especialmente os nitrogenados — mais baixos que os nacionais, o Brasil optou por importar em vez de estimular a produção interna.

Essa escolha levou a Petrobras a desativar diversas plantas de produção de fertilizantes nitrogenados, como as unidades em Sergipe e na Bahia. Embora consideradas deficitárias na época, tais decisões revelaram-se erros estratégicos graves, sobretudo para um país que está entre os maiores produtores agrícolas do mundo.

Além disso, Israel é fornecedor de cloreto de potássio para o Brasil, nutriente essencial para a fertilização do solo e o bom desenvolvimento de culturas como soja, milho e algodão.

A instabilidade no Oriente Médio, especialmente com riscos de fechamento de rotas marítimas ou sabotagem em infraestrutura logística, pode comprometer o fornecimento e pressionar ainda mais os preços desses insumos.

Outro fator agravante é o aumento do preço do petróleo, que, além de elevar o custo dos próprios fertilizantes nitrogenados (como a ureia, que depende do gás natural), impacta diretamente o frete marítimo e terrestre, encarecendo o custo de importação e distribuição dos insumos.

Diante desse cenário, quais estratégias os produtores podem adotar para ajudar a mitigar os riscos?

A guerra no Oriente Médio expõe uma fragilidade estrutural do agronegócio brasileiro: a dependência externa de insumos estratégicos. Diante da combinação explosiva entre o possível aumento do custo da ureia, o encarecimento do frete e a queda das commodities, o produtor precisa agir de forma pragmática, adotando estratégias técnicas, financeiras e coletivas.

Mais do que nunca, a gestão eficiente será decisiva para manter a rentabilidade no campo — e talvez seja também o momento de o país repensar sua política industrial para fertilizantes, recuperando a capacidade nacional de produção e garantindo segurança estratégica para o setor mais dinâmico da economia brasileira.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural

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