Pecuária
Frigoríficos se valem do tarifaço para derrubar preço do boi, aponta setor
Apesar do impacto limitado das barreiras americanas, pecuaristas denunciam estratégia para ampliar lucros
BATANEWS/REDAçãO
A tarifa de 50% imposta sobre a carne bovina brasileira pelos Estados Unidos acendeu o alerta em toda a cadeia produtiva. No entanto, representante dos pecuaristas denuncia que os frigoríficos vêm utilizando o episódio como argumento para reduzir o preço pago aos produtores rurais.
Em Mato Grosso do Sul, onde o agronegócio é o principal motor da economia, o movimento de pressão dos frigoríficos já se reflete no mercado físico.
Conforme dados da Granos Corretora, a arroba do boi gordo recuou 5% ou R$ 14,20 em uma semana, saindo de R$ 303,30 no dia 7 – antes do anúncio de Donald Trump–, e chegando a R$ 289,10 ontem.
No comparativo com o dia 27 de junho, quando a arroba era negociada a R$ 307,20, a queda chega a R$ 18,10 (6%).
O presidente da Associação Sul-Mato-Grossense dos Criadores de Nelore (Nelore-MS), Paulo Matos, afirma que o que está ocorrendo é uma tentativa explícita da indústria de transferir os custos de disputas comerciais internacionais para o produtor rural.
“Os EUA compram apenas 8% da carne que exportamos, o que representa 2,3% da produção brasileira. Falar em colapso de mercado interno é, no mínimo, má-fé. É um discurso criado para tentar jogar a conta dessas tarifas em cima do produtor, pagando menos pelo nosso boi,” denuncia Paulo Matos.
Segundo ele, a análise técnica da entidade mostra que, mesmo com uma queda de até 70% nos embarques para os Estados Unidos, o excedente gerado seria de 160 mil toneladas em um ano.
“É claro que os frigoríficos querem ampliar margens e usam qualquer argumento para isso, mas o produtor rural não pode ser tratado como amortecedor dos problemas internacionais. Somos nós que geramos emprego, compramos insumos, maquinários e alimentamos o Brasil e o mundo,” critica.
O Correio do Estado revelou com exclusividade, na edição de terça-feira, que as plantas frigoríficas JBS, Minerva e Naturafrig suspenderam temporariamente os embarques de carne aos EUA nas unidades de Mato Grosso do Sul, em razão das novas tarifas.
Conforme os frigoríficos, com o tarifaço de Trump, as exportações para o país norte-americano ficam inviáveis.
A justificativa, entretanto, é rebatida com veemência por entidades representativas do campo. A carne exportada aos EUA, explica a Nelore-MS, restringe-se a cortes desossados congelados, voltados à indústria de hambúrgueres e processados, sem peso significativo na composição do preço da arroba do boi gordo, que depende principalmente do mercado asiático – sobretudo da China, que responde por mais de 60% das exportações brasileiras.
“A conta é simples: quem vai pagar mais caro pelo hambúrguer são os consumidores americanos, não os produtores brasileiros”, ironiza Matos.
Para ele, as ações recentes mostram uma tentativa coordenada de reduzir os preços internos mesmo sem justificativa real. A entidade afirma que seguirá mobilizada, em conjunto com confederações e com o Itamaraty, para evitar que medidas protecionistas no exterior sirvam de pretexto para desorganizar o mercado interno e penalizar o elo mais vulnerável da cadeia.
“Produtor, fique atento, essa é uma manobra de frigoríficos para forçar criadores a venderem o seu animal com preço abaixo da média”, alerta Matos.
FRIGORÍFICOS
Em nota, o Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul (Sicadems) confirmou que os frigoríficos do Estado suspenderam temporariamente os embarques aos Estados Unidos. O sindicato afirmou que “as indústrias ainda estão calculando os impactos e redirecionando os volumes para outros mercados compradores”.
Ainda segundo o Sicadems, as empresas seguem comprometidas com a manutenção da produção e o atendimento ao mercado interno, reforçando que a medida é de “natureza estratégica e momentânea, até que haja segurança sobre os efeitos da tarifa imposta pelo governo americano”.
O Correio do Estado adiantou que, de acordo com fontes consultadas pela reportagem, o grupo JBS já está redefinindo a estratégia para o caso de a tarifa não ser derrubada e deve enviar 30% da produção para o Chile e outros 30% para um mercado ainda novo, o Egito, além de redistribuir o restante para o mercado interno e outros países do Mercosul.
O vice-presidente do Sicadems, Alberto Sérgio Capuci, informou à reportagem que os frigoríficos vão ter de realocar a produção para outros mercados.
CONSUMIDOR
Enquanto os frigoríficos tentam pagar menos pela arroba, o cenário pode beneficiar o consumidor final, pelo menos no curto prazo. Com a queda no valor da arroba, a expectativa é de que os preços da carne nos supermercados comecem a ceder nas próximas semanas.
O titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, afirmou que a consequência imediata é uma redução no ritmo de abate e uma maior oferta interna.
“A outra consequência é a alocação desse produto no mercado interno. Então, nós teremos, como é um produto perecível, uma redução de preço ao consumidor e também uma redução de preço ao produtor em função da não alocação desse produto”.
Correiodoestado