Cotidiano
Falar ou não? Pais enfrentam dilema ao contar suas experiências do passado para os filhos adolescentes
Especialistas recomendam encarar diálogos como chance de criar conexão e influenciar a visão de mundo dos filhos
BATANEWS/FOLHA
“Por que o céu é azul?” ou “como nascem os bebês?” são perguntas difíceis que crianças fazem — mas nenhuma se compara àquelas que surgem na adolescência: "Você já bebeu?", "já usou drogas?", "transou com quantos anos?". Nessa fase, muitos pais e mães, mesmo os mais abertos, se veem diante do dilema: ser honestos ou omitir detalhes?
Para especialistas, responder com franqueza pode estreitar laços, desde que haja sensibilidade e preparo. “Quando o adolescente está curioso, ele vai buscar respostas. Se for na internet ou com amigos, não temos controle do que ele vai encontrar. Se ele pergunta para os pais, aí sim temos a chance de garantir a qualidade da informação”, explica Lígia Moreiras, doutora em saúde coletiva e autora do perfil Cientista que virou Mãe.
Ela defende que compartilhar experiências do passado — inclusive as vulnerabilidades — pode humanizar os pais e ajudar os filhos a lidar melhor com suas próprias dúvidas. “É importante que eles saibam que seus pais também erraram, tiveram medos, e que conseguiram superar. Isso ajuda a criar resiliência”, afirma.
Mas sinceridade não é sinônimo de exposição irrestrita. Para Gustavo Estanislau, psiquiatra e pesquisador do Instituto Ame Sua Mente, é preciso cuidado com o contexto. “Falar que fumou maconha aos 20 anos pode parecer um aval se dito de forma apressada a um adolescente de 14, que ainda não tem maturidade para entender nuances”, alerta.
Ele destaca que o cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento. O córtex pré-frontal, responsável por planejar e controlar impulsos, só amadurece por volta dos 25 anos, enquanto o sistema límbico, ligado às emoções, é extremamente reativo. Esse desequilíbrio exige dos pais atenção ao tom e ao momento dessas conversas.
O erro, segundo os especialistas, está tanto na omissão quanto no excesso. “Tem pai que quer ser descolado, contar que ‘pegava geral’, que ‘bebia todas’. Isso pode gerar ansiedade no adolescente, que começa a se comparar com um ideal impossível”, diz Estanislau.
A psicanalista Renally Xavier, pesquisadora da UFMG, acrescenta que relações excessivamente íntimas também podem sufocar o processo natural de construção da identidade dos jovens. “Não há nada pior para um filho do que saber tudo sobre a sexualidade dos pais. Isso pode bloquear sua própria vivência.”
Uma forma de tornar esses diálogos mais naturais é compartilhar mais o cotidiano, em vez de apenas interrogar. “Os pais perguntam muito: ‘Como foi a escola?’, mas raramente contam como foi o próprio dia. Aí reclamam que o filho não fala. Mas a conversa vira um interrogatório”, aponta Estanislau.
Para Lígia Moreiras, a confiança começa muito antes da adolescência. “O vínculo se constrói desde cedo, quando mostramos que os filhos podem, e devem, nos procurar para qualquer assunto. Quando isso acontece, mesmo os temas difíceis vêm com mais leveza.”