Gordura, rins e coração: uma conexão tenebrosa para a saúde | Letra de Médico

O ganho de peso, mancomunado ao diabetes, abre caminho ao colapso renal e cardíaco. Mas é possível se precaver disso

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O elo entre obesidade e diabetes: riscos para os rins e o coração (Stockbyte/Thinkstock/VEJA/VEJA)

A obesidade é uma epidemia global que atinge mais de um bilhão de pessoas no mundo e cerca de seis milhões no Brasil. Os números, que já eram alarmantes, seguem crescendo e ameaçando a vida e a saúde de adultos, adolescentes e crianças por meio do desencadeamento de uma série de complicações, como a síndrome metabólica, o diabetes tipo 2 e a doença renal crônica.

O que poucas pessoas sabem é que tais doenças podem estar interligadas e, silenciosamente, representar um grande risco cardiovascular – especialmente quando olhamos para a chamada obesidade visceral, caracterizada pelo acúmulo de gordura na região abdominal. Ela é o pontapé inicial para a síndrome metabólica, um conjunto de alterações que vão desde a hipertensão arterial à resistência à insulina e que eleva significativamente o risco de desenvolvimento do diabetes tipo 2.

Cerca de 90% dos casos de diabetes são do tipo 2. A doença atinge em torno de 589 milhões de adultos no mundo e mais de 16 milhões no Brasil e, apesar de ter as mudanças de estilo de vida, como os cuidados alimentares, a prática de exercícios físicos e o monitoramento constante da glicose, popularmente reconhecidas entre a população, dois órgãos requerem atenção especial, mas passam despercebidos durante o tratamento: os rins.

Você pode estar se perguntando por que falar sobre os rins quando o foco da conversa são as ameaças ao coração. Mas a verdade é que a saúde dos rins e do coração está intrinsecamente ligada. Seja pela obesidade, pela síndrome metabólica ou pelo diabetes, o comprometimento renal é uma questão silenciosa e chave nos acidentes cardiovasculares.

Estima-se que 1 em cada 10 pessoas no mundo venha a desenvolver doença renal crônica, sendo o diabetes tipo 2 a principal causa do problema. De 20 a 40% das pessoas com diabetes tipo 2 desenvolvem algum grau de comprometimento renal ao longo da vida. A disfunção do órgão influencia o funcionamento do coração, o que chamamos de síndrome cardiorrenal.

Estudos apontam que pacientes com doença renal crônica têm um risco de quatro a 20 vezes maior de morte cardíaca súbita; enquanto o diabetes e a DRC aumentam o risco de eventos como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca.

Nos últimos anos, a medicina avançou na busca por tratamentos que ajam sobre essa espiral de progressão entre obesidade, diabetes, DRC e eventos cardiovasculares. Nesse contexto, destaca-se a finerenona, uma nova geração de antagonista não esteroidal dos receptores mineralocorticoides. A molécula age bloqueando a superativação desses receptores, reduzindo a inflamação e a fibrose.

Os estudos com finerenona demonstraram que o medicamento reduz significativamente a progressão da doença renal e os desfechos cardiovasculares em comparação ao placebo, com redução no risco de eventos como infarto, AVC e hospitalização por insuficiência cardíaca. Uma publicação mais recente, do estudo FINEARTS-HF, demonstrou, ainda, que o tratamento reduziu em 16% o risco de morte cardiovascular e eventos de insuficiência cardíaca (hospitalizações e consultas urgentes) em pacientes com insuficiência cardíaca.

Tecnologias como essa são fundamentais para mudarmos a jornada dos pacientes, principalmente dado o cenário da obesidade e do diabetes. O caminho da doença renal ao desfecho cardiovascular pode ser tímido e longo, mas nunca deve ser subestimado.

A identificação precoce dos fatores de risco, o acompanhamento da saúde metabólica e renal e o acesso a terapias inovadoras podem interromper esse ciclo. Por isso, precisamos nos atentar a essa conexão multifatorial e agir pela saúde das pessoas, do sistema de saúde e de toda sociedade hoje.

* João Salles é endocrinologista, professor e diretor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e secretário-geral da Federação Latino-Americana de Obesidade (FLASO)