Uso de cocaína e crack se manteve estável na última década no Brasil, diz pesquisa

Coordenadora afirma que dados são considerados bons, já que o consumo de drogas aumentou globalmente no pós-pandemia

BATANEWS-FOLHA/LUíSA MONTE


Usuário de crack em Paraisópolis, em São Paulo - Danilo Verpa - 12.jun.25/Folhapress

Às vésperas do Dia Internacional contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas (26 de junho), uma pesquisa divulgada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que o consumo de cocaína e crack entre a população maior de 14 anos se manteve estável na última década no Brasil.

Os dados foram considerados bons pelos pesquisadores, levando em conta que o uso de entorpecentes aumentou globalmente nos anos pós-pandemia, de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2024.

O Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III) foi divulgado nesta quarta-feira (25). A coleta de dados foi feita em 2023 com 16.608 participantes de 300 municípios do país, em seus domicílios, e não inclui pessoas em situação de rua. A metodologia é de autopreenchimento sigiloso, e as informações foram comparadas com os dados coletados no levantamento de 2012.

Do total de brasileiros ouvidos, 5,38% disseram já ter experimentado cocaína na vida —um pequeno aumento na comparação com os 3,88% em 2012—, o que representa 9,3 milhões de pessoas, aproximadamente.

Os participantes também foram questionados quanto ao uso anterior à pandemia de Covid (até março de 2020) e no ano anterior à pesquisa (2022). Antes do isolamento, 2,18% disseram ter consumido cocaína, ante 1,78% em 2022, percentual igual ao de 2012.

Professora de psiquiatria na Unifesp e coordenadora do levantamento, Clarice Madruga afirma que, no Brasil, a pandemia foi um fator de proteção contra o uso de drogas. 'As pessoas estavam usando a droga numa prevalência menor do que naquele ano antes da pandemia. A boa notícia é que não houve aumento no uso de cocaína aspirada no período.'

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O consumo de crack, que é a cocaína solidificada em cristais, também se manteve estável. Entre os entrevistados, 1,39% disseram já ter experimentado a droga na vida, ante 1,44% em 2012. O consumo recente passou de 0,64% para 0,48%, sem variação significativa.

A pesquisa mostrou que a maior parte dos usuários de crack é formada por homens adultos, de 25 a 49 anos, com baixa escolaridade. 'A vulnerabilidade é um fator de risco para o uso de crack, e a educação e a renda são fatores protetores', diz Madruga.

A pesquisadora lembra ainda que grande parte dos usuários de crack não foram ouvidos na pesquisa domiciliar devido ao comportamento observado com o uso da droga. 'A pessoa vai perdendo vínculos e sai do domicílio. Essa população a gente perde.'

O levantamento também mostrou que a droga é barata —38% gastaram menos de R$ 30 para consumir a dose alta (mais de 2 gramas).

Dos 5,38% dos brasileiros que disseram já ter provado cocaína na vida, 33,2% se tornaram usuários. Entre eles, a maioria (75%) diz ter ficado dependente.

O levantamento mostrou ainda que mais da metade (50,5%) dos usuários diz se preocupar com seu consumo de cocaína; 23,2% afirmam que o uso está fora de controle; e a grande maioria (81,6%) diz que gostaria de parar de usar a droga.

De acordo com o estudo, 0,72% da população com 14 anos ou mais relata dependência de cocaína e/ou crack, o que equivale a 1,2 milhão de brasileiros. Apenas 1 em cada 10, contudo, disse ter procurado tratamento.

Feito pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp em parceria com a Ipsos e com financiamento do Ministério da Justiça, o levantamento traz ainda outros achados importantes —2 de cada 10 usuários (19,9%) de cocaína relatam já ter dirigido sob efeito da droga. Entre os homens, o índice chega a 26,3%.

Segundo a coordenadora da pesquisa, foi a primeira vez que a pesquisa levantou dados sobre motoristas e consumo de entorpecentes, 'um problema real que afeta a comunidade de uma forma mais ampla'.

Para Madruga, é preciso capacitar as redes de saúde para lidar com casos de vício ou que podem virar vício.

'O mais importante é identificar o uso a tempo para evitar que ele seja agravado. Precisamos considerar que cocaína é um problema no Brasil e que a atenção básica precisa considerar isso na hora de conversar sobre a saúde de uma pessoa de uma forma mais holística', completa a psiquiatra.

Marta Machado, Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça, diz que vibra com a notícia de que o consumo diminuiu entre adolescentes, já que o governo tem desenvolvido programas de prevenção para essa faixa etária.

Afirma, ainda, que a baixa procura por ajuda representa um desafio para os gestores de políticas públicas sobre drogas. 'A questão é como a gente consegue diminuir o estigma, ampliar o acesso aos serviços e que as pessoas se sintam confortáveis a pedir ajuda e realmente procurar um tratamento.'

metade da população tem uma percepção que o acesso à cocaína e ao crack é fácil. Entre adolescentes, 30% acham fácil conseguir as drogas. 38,4% disse que não percebe o tráfico.