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'Ronaldo dos Emirados': a história do brasileiro que fez fortuna, foi artilheiro e jogou no gol no Mundial
Denílson rodou por orfanatos e vendeu comida antes de iniciar no futebol, aos 17 anos, desbravando países pouco explorados no mercado, inclusive o Uzbequistão com Rivaldo e Felipão
BATANEWS/GE
Denílson tinha seis anos quando sentiu a mãe morrer em seus braços, vítima de bronquite asmática. Vivia em um barraco no Rio de Janeiro, com duas irmãs mais novas. Pouco depois, sentiu a dor de ver o pai, desnorteado com a perda da esposa, sair de casa. Os três filhos foram entregues a diferentes famílias. Denílson foi rejeitado.
– Eu era um menino muito revoltado. Ninguém tinha obrigação de ficar com essa granada que a qualquer momento poderia explodir, disse.
Denílson Nascimento rodou por casas e orfanatos até encontrar uma família de pescadores e voltar à Bahia, de onde saiu ainda bebê, aos quatro meses de vida. Nunca se prendeu a um só lugar. Habituou-se à rejeição e, naturalmente, jamais quis ficar onde não se sentisse desejado.
Cresceu vendendo bolo, picolé, verduras, de tudo um pouco, até encontrar sua vocação no futebol. Mesmo tardio, sem base, sem tempo, inspirou-se na Seleção de 94, campeã com Bebeto e Romário, para fazer o que parecia impossível: rodar o mundo e ostentar por seis anos o recorde de maior artilheiro em uma única edição do Mundial de Clubes.
Em 25 anos de carreira, Denílson colecionou histórias pouco contadas. O atacante virou goleiro no Mundial, desbravou o futebol dos Emirados Árabes, os bastidores do Paris Saint-Germain e voltou ao Brasil, em 2011, com medo, após ver o presidente do clube em que estava, no Uzbequistão, com Rivaldo, ser preso.
É possível até partilhar sua vida no antes e depois do Mundial, considerado o auge da carreira no futebol.
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Denílson virou o maior artilheiro de uma única edição do torneio quando marcou todos os quatro gols do Pohang Steelers, da Coreia do Sul, em 2009. Sustentou o posto até 2015, superado por Luis Suárez, que fez cinco pelo Barcelona. Desde então, só outros dois tiveram desempenho parecido: Cristiano Ronaldo em 2016 e Pedro no Flamengo de 2022, ambos com quatro.
Ele era o único estrangeiro no elenco, ostentou três títulos no time sul-coreano e chegou ao Mundial desacreditado, mesmo após o título da Liga dos Campeões da Ásia.
– Tinha 33 anos e dizia: "Estamos aqui como franco atiradores". Ninguém acreditava e fomos para a semifinal – recordou.
O Pohang venceu o Mazembe, do Congo, por 2 a 1, avançou à semifinal e terminou eliminado pelo Estudiantes, da Argentina, em um jogo que ainda hoje, quase 16 anos depois, desperta a indignação do atacante.
– O árbitro roubou a gente de tudo quanto foi jeito, foi escandaloso. A organização queria uma final Estudiantes e Barcelona. Tivemos três jogadores expulsos, e eu fiquei 17 minutos como goleiro no Mundial.
Era uma questão de assumir a responsabilidade como principal jogador do elenco, mas também de reviver memórias da infância.
– Eu, quando era pequeno, não tinha a bola, era sempre do colega. Atropelava os garotos da minha idade jogando, então o dono sempre falava: "tem que ir para o gol". Eu não gostava, mas para brincar tinha que ir. Então fui pegando uma noção e não pipoquei não.
Denílson sustentou o apito final sem sofrer gols, mas não evitou a eliminação. Sem três de seus titulares, disputou o terceiro lugar com o Atlante, do México, usando um goleiro do Sub-20 que nunca havia atuado no profissional. Ninguém confiava nele, admite Denílson, mas terminou fazendo a diferença: o Pohang venceu nos pênaltis e segue como único sul-coreano com um terceiro lugar em Mundial.
É uma memória relatada com orgulho. Até porque escrever o nome na história do torneio seria inimaginável para Denílson no início da vida.
Tinha muita deficiência técnica, ele reconhece, então terminou corrigindo os problemas com o tempo, através dos clubes por onde passou. Entre eles, o Feynoord, da Holanda, e o PSG, quando desembarcou na Europa pela primeira vez, em 1996.
– Foi a época que o Ronaldo Nazário tinha estourado no PSV e estava todo mundo buscando um novo Ronaldo. Todo cara que era negão, careca ou tinha o jeito dele, todo mundo queria, nem precisava jogar. Bastava parecer o Ronaldo e todo mundo queria um teste.
Foi assim com Denílson, aprovado pelo técnico brasileiro Ricardo Gomes para atuar por uma temporada na equipe B do PSG. Ele nunca se preocupou em suprir as expectativas por um novo Ronaldo. Não sabia, contudo, que a alcunha o reencontraria mais tarde.
Determinado a rodar o mundo, agora por escolha própria, diferente das trocas de casa na infância, o atacante desbravou destinos em que o futebol brasileiro nem sequer sonhava em entrar. O primeiro deles: Emirados Árabes.
Os salários, para Denílson, eram melhores até que Portugal e França, por onde havia passado antes. Não à toa, fincou raízes no país, emendando passagens por Shabab Dubai, Dubai Club e Al-Nasr entre 1999 e 2005, chegando a ser sondado até para se naturalizar árabe.
– Fui artilheiro do campeonato no primeiro ano e virei referência, me tornei tipo o Ronaldo dos Emirados Árabes.
Construiu assim uma vida financeira confortável, voltando ao Brasil de férias em 2005 sem contrato, sem clube, sem empresário, mas despreocupado sobre o futuro.
Foi nesta viagem, enquanto jogava altinha na Praia do Forte, em Salvador, que cruzou caminho com um dos maiores empresários do futebol mundial, André Cury. O agente, anos depois responsável pela ida de Neymar ao Barcelona, estava na Costa do Sauipe para o casamento de Deco quando o avistou na areia.
– Pensei que era um pescador. O Pepe, auxiliar do Barcelona na época, que me disse: "tenho certeza que é jogador" – contou Cury, resgatando com carinho a memória.
Naquela semana, Denílson entregou a Cury um DVD de lances, como eram divulgados os melhores momentos dos atletas na época, sem a menor ideia do patamar de profissional com quem falava. Passou a ter a carreira gerenciada pelo empresário.
A primeira aposta não deu certo. No México para defender o Atlas, sentiu a diferença técnica por vir de um futebol descrito por ele como "extremamente amador", no caso dos Emirados Árabes, e entendeu que o clube não teria tempo de esperar sua adaptação. Sem marcar gols, sentindo-se rejeitado, pediu e rescindiu o contrato.
A segunda, porém, acertou o alvo. Foi no Daejeon Hana Citizen que começou sua trajetória na Coreia do Sul, disputando duas temporadas antes de se transferir ao Pohang Steelers, para ao Mundial de 2009. Denílson e Cury, aliás, se reencontraram no estádio durante a competição, em um momento em que haviam reduzido contato.
O fim do Mundial, com o terceiro lugar inédito, poderia dar sinais de aposentadoria para Denílson, ali aos 34. Resolveu, contudo, apostar em mais uma aventura: aceitou a proposta do Bunyodkor, no Uzbequistão, onde estavam Felipão e Rivaldo. Jogou o Mundial, inclusive, com um pré-contrato já assinado no novo clube.
Era uma estrutura amadora, modificada por Rivaldo com a implementação de academia, roupeiro, enquanto se via jogador e consultor, contratando atletas, como o próprio Denílson, e até o técnico. O dinheiro, porém, compensava.
Pouco depois, o Bunyodkor abriu falência. E Denílson ficou oito meses no clube sem receber, recuperando os pagamentos somente através de uma ação judicial.
Detalhe que ainda que a falta de salário fosse motivo suficiente para a despedida, a saída do atacante, de volta ao Brasil em 2011, teve outros motivos: uma hérnia com necessidade cirúrgica e, principalmente, a vida sendo posta em risco.
Rivaldo, que o havia levado ao Uzbequistão, abriu as portas do Mogi Mirim para seu retorno ao Brasil. E Denílson, aos 35 anos na época, ainda defendeu dez clubes no país, jogando sete temporadas até se aposentar. A primeira vez em 2016 e depois enfim em 2020. Evitou o rebaixamento do Guarani em 2011, foi artilheiro do CRB em 2013.
O motivo para se manter ativo por tanto tempo? Uma realização pessoal.
– Queria transmitir para os jovens que é possível vencer. No final da carreira estava me divertindo com responsabilidade. Minha missão era mais social, só retribuindo o futebol com minha presença.
Ao longo dos anos, construiu uma família com a esposa e três filhos, atualmente vivendo nos Emirados Árabes, onde conseguiu o Golden Visa pelo tempo dedicado ao esporte no país. Atua dando aulas de futebol, fazendo curso de treinador e ajudando atletas que chegam desorientados.
Agora aos 48 anos, recorda as cenas da carreira com carinho, despreocupado sobre qualquer falta de reconhecimento ou visibilidade. É certo, inclusive, de que entrou e saiu do futebol sem ser visto.
Os papeis empurrados em seus braços, contudo, quando o Pohang Steelers venceu o inédito bronze no Mundial de 2009, poderiam sugerir o contrário. Denílson, de boné para trás, com o espaço invadido por celulares, distribuía autógrafos. Sentia a medalha pesar no peito, como um dia fizeram as dores, mas cercado de sorrisos, pronto para abrir o dele.
Não estava mais só.