Ídolo do Timão supera golpe e depressão com jogos na várzea

Cristian abandonou a carreira para tentar recuperar fortuna que foi roubada, mas reencontrou o prazer de jogar futebol em um dos bairros mais carentes da capital paulista: "Voltei a sorrir"

BATANEWS/REDAçãO GE


Cristian reencontrou em um campo simples de terra batida da Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, a felicidade de jogar futebol. Mais do que isso, de viver. Aos 41 anos, o ex-jogador travou uma batalha contra a depressão depois de sofrer um golpe milionário e perder praticamente tudo que conquistou ao longo da carreira.

O Conta Forte, time recém-criado na várzea paulista, será a casa do ex-volante multicampeão pelo Corinthians e com passagens por Flamengo, Grêmio e Fenerbahçe, entre outros. É o recomeço depois de a saúde mental ter praticamente colocado um ponto final na carreira profissional do jogador em 2017.

– A realidade é que a gente vê esse negócio da depressão como se fosse uma brincadeira. A gente vê muito isso na televisão, muitas coisas... e nunca acha que vai acontecer isso com a gente. Então quando acontece dentro da família ou com a gente mesmo, a gente vê que o negócio é bem sério. E foi o que eu falei para você, não só foi a várzea que me tirou, o processo de todos os sentimentos das coisas que acontecem, de quem é envolvido. E me recuperou muito, me deu autoestima de novo, de voltar, de querer jogar futebol de novo, de querer estar nos campos.

– A gente nunca espera que transforme a gente dessa maneira, mas quando acontece e as coisas acontecem, a gente sabe que às vezes é o caminho de Deus que coloca as coisas assim, nos dá a direção e você fala: "Não, isso não vai acontecer". E acontece. Então ela (a várzea) me deu a felicidade de novo, de voltar a sorrir, de voltar a poder acompanhar os jogos, de poder jogar. Então ela me deu a oportunidade de ser feliz de novo – conta Cristian.

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Um golpe dolorido

O último grande clube da carreira de Cristian foi o Grêmio, em 2017. Foram poucos jogos por lá depois da saída do Corinthians. Nesse período, Cristian começou a entender o golpe que vinha sofrendo de pessoas do seu círculo familiar e gerentes de bancos - a pedido do ex-jogador, o ge não vai mencionar nomes dos envolvidos. Com processo em trâmite na Justiça, ele quase não pode falar sobre o tema que mudou a sua vida, afetou o psicológico e tirou do seu bolso mais de R$ 50 milhões.

– Eu ainda jogava quando isso aconteceu, você acaba perdendo a vontade de jogar, porque eu estava no meu auge, no Corinthians, no Grêmio. Mas isso vai se resolver, porque está no processo, os processos estão andando, a gente sabe que as coisas são um pouco demoradas, mas vai se ajeitar e vai colocar no devido lugar, no lugar certo, e as coisas vão rodar.

– O valor para mim é indiferente. Eu acho que a dor maior é de quem fez. Isso para mim machuca muito mais do que o valor. É um valor bem simbólico, é um valor muito alto. O problema não é o valor, o problema é o constrangimento de tudo o que aconteceu, de quem foi, mas Deus está colocando as coisas no devido lugar e daqui a pouco volta tudo, vai ficar aí para os meus filhos, para os netos. Acho que a maior riqueza da nossa vida é a nossa simplicidade, então, tudo o que aconteceu comigo, ainda consigo ser um cara simples, minha vida sempre foi assim, então não é por causa do dinheiro ou porque fizeram alguma coisa comigo, porque eu perdi a minha identidade, minha simplicidade de ser, continua a minha vida normal – disse.

Cristian ainda tentou continuar a carreira atuando por São Caetano, Juventus-SP e Atibaia, mas preferiu aposentar precocemente para resolver os problemas pessoais e colocar a cabeça em ordem. Foi na várzea, em jogos aleatórios e repletos de calor humano, que ele encontrou o caminho para recuperar a saúde mental e uma maneira de minimizar os problemas financeiros gerados pelo golpe sofrido.

– Ou tinha que jogar ou tinha que parar para resolver esse problema, então eu optei em parar mais por causa disso, porque eu estava no Corinthians e no Grêmio, ainda tinha várias propostas, muita gente não entendeu e aí eu ouvia muitas coisas que não são verdade, muitas coisas, "o Cristian não quer mais jogar bola", mas não é que não quer, é que eu tinha um problema para resolver.

– Ou optava em jogar, porque aí tem processo, você tem que resolver, você tem que largar o treino para resolver o problema, você acaba perdendo mais treino e resolvendo um problema pessoal, então preferi dar um tempo para tentar resolver, tentar se encaixar as coisas no devido lugar, porque para mim também foi tudo uma surpresa grande, uma coisa muito grande, tudo muito cabeludo, muitas coisas envolvidas, muitas coisas no centro do negócio, então você tem que acabar adivinhando, fazendo algumas coisas...

– Meio complicado você entender o que realmente aconteceu, porque quando é de fora, você acaba cortando aquela raiz e a pessoa fica para lá e você vive sua vida, mas quando é dentro, você nunca acredita, o mundo fala, mas você nunca acaba acreditando, porque você está ali dentro e você nunca acredita que aquela pessoa vai fazer isso, então foi um baque muito grande. Eu continuo vivendo a minha vida, continuo tendo as minhas coisas, continuo caminhando, mas isso é uma coisa que me deixa muito triste, porque é uma coisa que eu podia estar desfrutando ainda – finaliza.

Mais sobre Cristian

Nome: Cristian Mark Júnior Nascimento Oliveira.Idade: 41 anos.Carreira: Paulista-SP, Athletico-PR, Flamengo, Corinthians, Fenerbahçe, Grêmio, São Caetano, Juventus-SP e Atibaia. Títulos: Série B Brasileiro (2008); Copa do Brasil (2005 e 2009); Paulistão (2009); Brasileirão (2015); Campeonato Turco (2010/11 e 2013/24); Taça da Turquia (2011/12 e 2012/13) e Supertaça da Turquia (2009).

O auge da carreira de Cristian foi atuar ao lado de Ronaldo Fenômeno e ser campeão pelo Corinthians, principalmente em 2009, com Paulistão e Copa do Brasil. Apesar de ser difícil equiparar o o sentimento de ter jogado ao lado de um dos maiores nomes da história do futebol brasileiro, o ex-jogador tem encontrado na várzea o acolhimento do esporte que escolheu como profissão.

– Estou feliz por estar aqui, por estar podendo abrir porta para alguns jogadores, ter essa mídia para essas pessoas que são carentes, vivem disso aqui, eles vendem a alma para isso aqui, eles dão tudo, é diferente de você ter um clube que já chega lá e tem toda a estrutura. Aqui você pode ver que são todos amigos, é família, é mulher, é filho, todos envolvidos. O futebol da várzea hoje é muito grande, mas grandes são eles que constroem isso.

– E eu tento desfrutar desse momento, cada momento bem diferente. Eu falei para você, são coisas verdadeiras que às vezes a gente nem imagina. Todo mundo acha que eu sou um cara marrento, gosta de um monte de coisa. Eu sou um cara bem simples, às vezes a vida faz a gente ter essa armadura de um cara mais fechado, mas quando as pessoas conhecem a gente, acaba se desmontando inteira. A várzea te aproxima mais disso, fico feliz porque são pessoas carentes, que necessitam disso – disse.

Conta Forte

Fundado em junho de 2024, o Conta Forte nasceu de um projeto social de amigos que se uniram para ajudar as mais de 200 mil pessoas que moram na Cidade Tiradentes, que engloba inúmeras comunidades dentro de um dos maiores bairros da Zona Leste de São Paulo.

O clube chega para a disputa de um dos mais tradicionais e competitivos campeonatos de várzea do Brasil, a Super Copa Pioneer, reforçado de vários ex-medalhões. Além de Cristian, o Conta Forte contratou André Santos, ex-lateral do Corinthians, Flamengo e Seleção, o ex-meia Cleiton Xavier, que passou pelo Palmeiras, além de Lucas Surcin, filho de Marcelinho Carioca e que até o ano passado atuava profissionalmente.

– A gente tem diversos trabalhos sociais com a comunidade, é cesta (básica), é marmita. E aí, conversando com esses amigos que jogavam contra nós, a gente decidiu montar um time de campo. Não é só sobre futebol, é sobre a gente mudar a vida, sabe? É trabalhar em cima das pessoas – explica Luan Rabelo, presidente do Conta Forte.

– Rapaz, conhecer esses jogadores pessoalmente, falando até mesmo do Cristian, um cara que não força a ser humilde, é simples, é humilde, então isso traz uma experiência e um ganho muito grande pra nós, entendeu? Valoriza mais a várzea, valoriza mais o futebol. É um sonho que está se tornando realidade para nós, ter essas figuras no nosso elenco – completa.

Cada vez mais popular em São Paulo, a Super Copa Pioneer tem atraído cada vez mais ex-jogadores profissionais. Apelidada de “Liga dos Campeões' da várzea, a competição reúne cerca de 80 times e distribui mais de R$ 200 mil em premiações. Em 2023, a final do torneio levou 30 mil torcedores ao Allianz Parque, estádio do Palmeiras.